Bem-estar animal e agregação de valor
Várias, hoje, são as definições para o termo “bem-estar animal”, aplicáveis a todos os tipos de animais, dos silvestres aos de cativeiro, passando pelos de companhia, os de produção e de experimentação. Fabiana Villa Alves* Embasado nas preocupações sobre o modo como os animais vivem e são criados, o conceito ganhou força devido a dois fatores: de um lado, as questões morais, éticas e religiosas, ligadas ao respeito aos animais, que se sobressaíram em alguns âmbitos; do outro, questões técnico-comerciais, ligadas ao sistema produtivo e à qualidade final do produto. Para a Organização Mundial de Saúde Animal, bem-estar animal é a forma como o animal lida com o seu entorno, e aqui estão incluídos sentimentos e comportamento. Para animais de produção, assume-se que há boas condições de bem-estar quando são atendidas as “cinco liberdades”, que procuram incorporar e relacionar padrões mínimos de qualidade de vida para os animais como: i) livres de fome, sede e má nutrição; ii) livres de dor, lesão e doença; iii) livres de medo e angústia; iv) livres de desconforto; e v) livres para manifestar o padrão comportamental da espécie. No âmbito dos sistemas agroalimentares, a necessidade de remodelação dos modelos produtivos vigentes, com particular foco nos impactos gerados ao ambiente, fez com que o tema “bem-estar” emergisse, nos últimos anos, com grande força nos vários elos da cadeia. A aplicação dos princípios das “cinco liberdades” possibilitou saltos qualitativos em relação (i) aos sistemas de criação, com adequações do espaço mínimo disponível por animal, fornecimento de dietas balanceadas e disponibilidade de sombra em sistemas extensivos; (ii) ao transporte com embarque sem estresse e em veículos apropriados, determinação de tempo e distância máximos, sem interrupção, até o abatedouro; e (iii) ao abate, sem sofrimento, com atordoamento eficaz. Exemplo prático da importância do bem-estar animal para a cadeia produtiva de carnes é a possibilidade de exploração e atendimento de mercados consumidores mais exigentes, interessados na chamada “grass-fed beef” (carne produzida sobre pastagens), em que é condição sine qua non tornar tangível (qualidade final do produto) o intangível (bem-estar). Este tipo de produto com qualidades particulares é oriundo, na sua maioria, de regiões tropicais. Sua produção, portanto, deve imprescindivelmente prever práticas de manejo que visem à proteção contra a intensa radiação solar, com vistas ao bem-estar animal. Isto porque, conforme o nível de interação “intensidade de radiação solar x nível de adaptação ao calor do animal”, verifica-se maior ou menor estresse nos animais, com empobrecimento de seu bem-estar e prejuízos ao desempenho. De fato, animais submetidos ao estresse por calor diminuem o consumo de forragem e aumentam o de água, elevam a frequência respiratória, batimentos cardíacos e taxa de sudação, tornam-se irrequietos ou ficam deitados por longos períodos, entre outros sintomas. Destaque tem sido dado aos sistemas de produção multifuncionais (integração-lavoura-pecuária-floresta, ou ILPF), que além de possibilitarem a recuperação de áreas e pastagens degradadas, com baixa produtividade, proporcionam benefícios diretos e indiretos aos animais, como o fornecimento de sombra e melhoria das condições microclimáticas e ambientais. Tais aspectos incidem positivamente no bem-estar dos animais e o jargão “colocar o boi na sombra” – usado na bolsa de valores quando o investidor ganha muito dinheiro em uma operação, ao ponto de não precisar mais trabalhar – passa a ser também sinônimo de produto final diferenciado. Pesquisas conduzidas pela Embrapa demonstram que segundo o tipo de árvore (nativa e exótica) e o arranjo utilizado (linha simples, dupla ou tripla) tem-se diminuição de 2°C a 8°C na temperatura ambiente dos sistemas ILPF, em relação a pastagens sem árvores. Como resultados diretos do conforto térmico oferecido melhoram-se os índices produtivos (ganho de peso, produção de leite) e reprodutivos (menor incidência de abortos, aumento nos índices de fertilidade, maior peso ao nascer). Somadas, as melhorias aportadas pelos sistemas ILPF à ambiência e ao bem-estar animal, cooperam para o seu fortalecimento como ferramenta na otimização do diferencial da bovinocultura brasileira – rebanhos à pasto – e auxiliam na sua consolidação como sustentável no cenário mundial. É verdade, porém, que o conceito “bem-estar” apresenta escalas de valores que variam em função das diferentes óticas éticas, temporais, culturais, socioeconômicas. Mas, não se pode negar que é um caminho sem volta. Nesse contexto, o bem-estar animal, junto a temas como responsabilidade ambiental, sustentabilidade, segurança alimentar e biodiversidade, ganha destaque, e deixa de ocupar um espaço “filosófico”, embasado na ética pessoal, para se tornar aspecto prático, quantificável e aplicável, passível de ser valorado. *Fabiana Villa Alves é Pesquisadora Embrapa Gado de Corte – Sistemas de Produção Sustentáveis/Manejo Animal Fonte: Embrapa Gado de Corte
Cadeia produtiva investe no bem estar animal
Ações e produtos que reduzam o sofrimento dos animais estão em destaque no mercado. Texto de Mônica Costa As exigências por uma alimentação mais saudável também permeiam a questão da prática do Bem Estar Animal (BEA). Pesquisas comprovam que a capacitação de funcionários para evitar os maus tratos e o estresse nos animais é importante também do ponto de vista financeiro. Diversos estudos demonstram que animais submetidos a práticas de manejo com foco no bem-estar produzem mais. Atentos a este novo comportamento do mercado, indústrias, laboratórios e revendas estão investindo na realização de palestras e cursos de capacitação para assegurar o manejo adequado na lida com os animais de produção. “Como seres humanos, devemos respeitar e promover as boas práticas de bem estar do rebanho bovino em toda cadeia. Além disso, está comprovado que há melhora na qualidade da carne e do leite produzidos nestas condições, devido ao menor nível de estresse e lesões de transporte ao frigorífico”, explica Luiz Felipe Lecznieski, gerente de Marketing Veterinário da Saúde Animal da Bayer. O tema está cada dia mais presente nas ações de mídia e como reflexo, as indústrias produtoras de proteína animal buscam cada vez maior interação sobre o modelo de manejo. “Muitas empresas já criaram a sua própria política de responsabilidade, tendo comissões de ética e representantes de BEA”, afirma Lecznieski. A Bayer iniciou um trabalho de capacitação da equipe de campo, no Brasil, América Latina e região Ibérica. “Isso é muito importante, pois estamos adquirindo conhecimento teórico e técnico que será posteriormente difundindo para nossos clientes. Muita gente aborda o BEA de maneira filosófica, nós queremos incluir também aspectos fisiológicos e produtivos, o que dará mais embasamento aos produtores”, completa o executivo. Ações positivas O programa Tratar Bem, lançado pela Bayer, compreende uma série de atividades que visam trazer mais conhecimentos no âmbito veterinário sobre atitudes que atendam e satisfaçam as necessidades dos animais durante o processo de criação no campo. “Nossa intenção é que toda a equipe mantenha um conhecimento profundo sobre bem-estar animal para que todos os envolvidos possam atuar como disseminadores dessas propostas durante o contato com clientes”, explica Sergio Schuler, diretor da Saúde Animal da companhia. Outra ferramenta desenvolvida pela companhia é o site www.tratarbem.com. br, onde os visitantes podem conhecer atitudes simples e que contribuem para uma boa relação com os animais. “Esse site é a base de todas as nossas ações, um ponto de consulta para os clientes que desejarem se aprofundar no tema, conhecer bons exemplos, visualizar as últimas notícias e acompanhar a agenda de eventos sobre bem-estar”, completa Lecznieski, o gerente de Marketing Veterinário. A propagação de informações sobre BEA também é uma ferramenta utilizada pela Beckhauser, fabricante de troncos de contenção e balanças, para ampliar a capacitação dos envolvidos. “Trabalhamos esse tema constantemente em todos os materiais de divulgação produzidos pela empresa, desde o site até os manuais de produtos”, afirma Mariana Soletti Beckheuser, Vice Presidente Executiva da Beckhauser. Um informativo chamado “Manejo”, onde são divulgados casos de sucesso na implementação de boas práticas e dicas de manejo de fácil implementação é publicado bimestralmente pela empresa. “Há três anos, criamos em Campo Grande, MS, a HStore, uma concessionária de troncos de contenção e balanças, que conta com um espaço de eventos destinado a reunir pecuaristas, técnicos, vaqueiros, estudantes e demais pessoas ligadas à cadeia produtiva da carne para debater sobre pecuária de qualidade, tendo como base de sustentação a difusão dos conceitos de bem-estar animal e manejo racional”, continua Mariana. A ação mais recente da Beckhauser foi a criação do Centro Experimental de Manejo Racional (CEM) em parceria com a Fazenda Arca de Noé em Guairaçá, PR, que tem o propósito de ser um centro de referência e formação de pessoas para a pecuária. “Temos realizado periodicamente cursos de manejo racional para vaqueiros, técnicos, estudantes, pecuaristas; também promovemos dias de campo e abrimos espaço para instituições de ensino e pesquisa para a realização de estudos”, completa a vice diretora da empresa. Impactos financeiros A importância do bem-estar animal na atividade pecuária tem dois motivos principais: o primeiro é o compromisso de quem cria. “Se esses animais nascem para dar a vida por nós, o mínimo que nós temos de responsabilidade é tratá-los da melhor forma possível” diz Mariana. E o segundo é a questão econômica. Diversas pesquisas mostram ganhos em índices produtivos com um manejo adequado, além dos exemplos de fazendas que adotaram boas práticas e têm colhido resultados significativos, como o aumento no rendimento de carcaça. Isso sem contar a relação com a segurança alimentar, pois um animal que sofre estresse e maus tratos, produz uma carne de menor qualidade, a conhecida DFD (seca, firme e escura), que tem também menor tempo de prateleira. Embora as regras do comércio internacional, atualmente, ainda não prevejam restrições quanto ao bem-estar animal, tem se evidenciado uma demanda crescente de diversos mercados consumidores (União Europeia, por exemplo) por produtos de animais criados com esse conceito. E o consumidor final está cada vez mais consciente e exigente em relação à forma como animais destinados ao consumo são tratados. “O mercado de produtos voltados à saúde animal está cada vez mais focado em oferecer soluções capazes de reduzir o impacto ambiental e que estejam alinhadas às tendências de bem-estar animal”, informa Evandro Poleze, Diretor Associado da Unidade de Negócios Suínos da Zoetis, multinacional de saúde animal que tem promovido ferramentas e serviços que, além de garantir a sanidade, tenham o bem-estar animal como uma de suas premissas. Poleze reforça a importância do treinamento da mão-de-obra para a manutenção do bem-estar na granja. “Estudos comprovam que, fêmeas estressadas apresentam respostas imunológicas (reação dos anticorpos) comprometidas e produzem colostro pobre em imunoglobulinas, alimento essencial para proteger os leitões contra doenças”, diz. Suínos estressados apresentam deficiência imunológica e enfermidades favorecidas pela baixa resistência, como doenças respiratórias, e podem até mesmo sofrer morte súbita ao correr para fugir dos maus tratos. Entre os produtos desenvolvidos pela companhia estão a vacina de imunocastração Vivax. A castração de suínos é
Sistemas integrados podem reter até 8 toneladas de carbono por hectare
Árvores em sistemas integrados com pecuária e lavoura podem reter, em média, até oito toneladas de carbono por hectare. A conclusão está em pesquisa feita pela Embrapa Pecuária Sudeste, que verificou a retenção de 65 toneladas de carbono em eucaliptos ao longo de oito anos, indicando que sistemas sustentáveis de produção agropecuária podem, ainda, garantir uma renda extra para o produtor graças aos créditos de carbono. Foram estudados dois sistemas agroflorestais: o Integração Pecuária-Floresta ou silvipastoril (SSP) e o Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Enquanto o primeiro envolve o plantio de forrageiras para pastagem do gado na mesma área em que se planta árvores para futura produção madeireira. O segundo faz o mesmo acrescentando uma lavoura. De acordo com os pesquisadores, ambos apresentaram boa capacidade de acúmulo de carbono. “Na média, a produção de biomassa (a soma de troncos, galhos, folhas e raízes), foi de 145 toneladas por hectare ao longo de oito anos,” relata o pesquisador da Embrapa José Ricardo Pezzopane. Ainda segundo ele, quando consideramos apenas o tronco, o sistema ILPF possibilitou um acúmulo de carbono de 5,9 toneladas por hectare a cada ano, no sistema SSP, esse valor foi de 5,5 toneladas anuais por hectare. De acordo com a Embrapa, a alta capacidade que esses modelos têm de remover carbono pode ser suficiente para zerar as emissões da própria fazenda, e até mesmo gerar excedentes que poderiam ser vendidos na forma de créditos de carbono, certificado que comprova a redução das emissões de gases do efeito estufa. Mas, segundo Pezzopane, o potencial arbóreo depende em grande parte da espécie e da densidade de árvores na propriedade rural. Os responsáveis pela pesquisa explicam que, para as árvores serem consideradas sequestradoras de carbono, seu uso deve estar relacionado à madeira sólida, em que o carbono ficará armazenado na biomassa por longos períodos. Porém, a integração pode fazer com que ocorre competição entre os componentes do sistema. “Por exemplo, quando as árvores impedem a passagem da luz, interferem na produtividade da pastagem”, afirma o pesquisador. Nesses casos, a árvore muitas vezes é cortada e serve como lenha, liberando o carbono que coletou. Pezzopane explica que um modelo que integra floresta e produção animal precisa criar um equilíbrio. “A gestão de sistemas integrados necessita do monitoramento de seus componentes produtivos para minimizar a competição interespécies e ajudar os agricultores a obter a produtividade satisfatória,” declara. Fonte: Globo Rural com curadoria Boi a Pasto.