Rastreabilidade na Pecuária: Desafios e Oportunidades para o Brasil na COP30
Maior exportador mundial de carne bovina, com 2,25 milhões de toneladas no acumulado de janeiro a novembro, o Brasil tem um enorme desafio pela frente. E envolve as 2,5 milhões de propriedades rurais brasileiras dedicadas à pecuária, sendo 70% de pequeno porte. Um dos grandes temas discutidos em painéis durante a COP28 e que continuará em discussão na COP30, em Belém: o da rastreabilidade bovina. Ou seja, colocar chips no rebanho para identificar insumos e matérias-primas em toda a cadeia, além de garantir a segurança do alimento e que a produção esteja sendo feita em terras não desmatadas, entre outros benefícios.
Medida da Febraban contra desmatamento segue linha de nova legislação da Europa que afeta o Brasil
SÃO PAULO E BRASÍLIA – A preocupação com o desmatamento da Amazônia é um fator decisivo nas negociações do Brasil com outros países, em especial os europeus. A medida a ser adotada pela Febraban, que não ofertará crédito a frigoríficos que compram gado de áreas desmatadas de forma ilegal, vai na mesma linha da recente legislação aprovada pelo Parlamento Europeu. Ela afeta as exportações brasileiras e deve facilitar a adequação do produto nacional às exigências para venda na União Europeia.
Mercado exigente aumenta pressão por rastreabilidade na pecuária
Sustentabilidade da cadeia produtiva, especialmente em relação ao fim do desmatamento, está cada vez mais na mira dos clientes internacionais da carne brasileira Embora as principais vantagens da rastreabilidade para o criador estejam nos ganhos com gestão de rebanho e controle sanitário, são as cobranças do mercado internacional em relação à sustentabilidade da cadeia pecuária brasileira que mais têm colocado peso sobre as empresas do setor para monitorar seus fornecedores de maneira assertiva. Em dezembro do ano passado, as seis maiores redes de supermercados da União Europeia chegaram a anunciar um boicote à carne bovina brasileira após uma investigação ter revelado que parte da produção destinada a esses clientes havia sido alvo de um processo conhecido como “lavagem de gado”, quando animais criados em áreas de desmatamento ilegal são inseridos de forma clandestina na cadeia de produção legal de grandes frigoríficos. Os casos relacionando desmatamento ilegal e produção de carne na Amazônia ocorrem no Brasil a despeito de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado há mais de uma década entre os principais frigoríficos do país que operam no bioma e o Ministério Público Federal, prevendo a interrupção da compra de gado de fazendas com passivos ambientais e trabalhistas, num esforço para conter a derrubada da floresta. “Antes dos acordos, a gente não tinha nenhum compromisso legal ambiental das empresas que compravam gado da Amazônia, nenhuma verificação era feita. Como acordo de 2009, tivemos logo no início um impacto muito grande na redução do desmatamento, que ficou abaixo de 10 mil quilômetros quadrados ao ano, um número que nunca tinha sido alcançado”, lembra o procurador federal Daniel Azeredo, um dos responsáveis por costurar o acordo entre MPF e frigoríficos. Apesar de ressaltar a importância do compromisso firmado pelo setor nos últimos 13 anos, ele não deixa de reconhecer que esse monitoramento possui limitações, pois tem pontos de fragilidades e deficiências que precisam ser melhorados. “São três basicamente. O primeiro é o fornecedor indireto; o segundo é o que chamamos de esquentamento de gado, quando uma fazenda que está bloqueada pelo frigorífico vende usando o nome de outra fazenda que não tem nenhuma restrição; e o terceiro é o CAR, o Cadastro Ambiental Rural.” O procurador explica que os dados do CAR são declaratórios, e é com base neles que os frigoríficos checam se pode haver a compra, mas o documento ainda está sujeito a várias fraudes, porque ainda não foi validado nem pelo governo federal nem pelo estadual. “Uma empresa só vai poder dizer que não tem desmatamento ilegal quando solucionar esses três pontos”, diz ele. “Não se consegue controlar nem o indireto e nem a transferência de gado se não tiver a rastreabilidade individual” (Daniel Azeredo, procurador federal) E como solucioná-los? “Sempre digo que a melhor resposta seria o monitoramento individual, pois assim resolveria o problema do lote com mistura de animais e a dúvida sobre a origem. Saber sempre a origem do animal, desde o nascimento, resolveria vários outros problemas, como a questão da grilagem”, diz a pesquisadora e diretora executiva do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Ritaumaria Pereira. A pesquisadora do Imazon observa que, na maior parte das vezes, quando a área é grilada, a primeira coisa que os invasores colocam sobre a terra é pasto e boi. “E esse boi não morre de velho no pasto, ele é vendido para alguém, que vai vender para o frigorífico.” Contudo, obrigar o produtor a adotar a identificação individual desses animais não é tão simples. O procurador Daniel Azeredo lembra que, em 2009, já se sabia que a questão do fornecedor indireto era um problema, mas não havia – ou não foi pensado– nenhuma tecnologia que permitisse fazer, naquela época, o controle do indireto. Na opinião de Azeredo, como passar dos anos, parece que a única solução que realmente resolve é a rastreabilidade completada cadeia. “Você não consegue controlar nem o indireto nem a transferência de gado se não tiver a rastreabilidade individual. E por que ela não é implementada nos acordos? Porque não há lei que obrigue o frigorífico a fazer isso, e se não há lei não se pode exigir”, diz ele. Sem obrigatoriedade de identificação individual, a solução encontrada pelos frigoríficos passa pelo uso de protocolos de monitoramento sanitário e fundiário já existentes, como a Guia de Trânsito Animal e o próprio Cadastro Ambiental Rural. As informações das duas fontes têm sido combinadas aos sistemas próprios desenvolvidos por cada empresa frigorífica, a fim de mapear o risco ambiental na aquisição de animais nos biomas Amazônia e Cerrado – medidas que têm se mostrado insuficientes para responder à crescente cobrança do mercado internacional por maior sustentabilidade na cadeia de produção da carne bovina. “A gente tem muitos problemas aqui na Amazônia, muita terra grilada, muito problema de regularização fundiária, muita sobreposição de pasto a terras indígenas e unidades de conservação… Então acho que sempre que for buscado, investigado, vai acontecer algum tipo de escândalo sim. Principalmente das grandes empresas que atuam aqui. Se fuçar bem, chega lá e encontra”, destaca a pesquisadora Ritaumaria. “A pecuária brasileira é muito desigual. Tem a indústria de ponta e a pecuária de subsistência” (Fabiola Zerbini, pesquisadora da Coalizão) De acordo com dados do Mapbiomas, a área de pastagem no bioma amazônico em 2021 somava 54,9 milhões de hectares, sendo 86% delas resultado da derrubada de vegetação nativa nos últimos 32 anos. “Efetivamente, a pecuária é a atividade que mais desmata, em especial a Amazônia, mas já vemos isso em outros biomas, como Cerrado e Pantanal. Quando se desmata para colocar pastagem, é uma atividade não lucrativa, muito mais de sobrevivência, que não gera desenvolvimento econômico”, explica a pesquisadora do Grupo Executivo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Fabíola Zerbini. Diretor global de sustentabilidade da Minerva Foods entre dezembro de 2019 e maio deste ano, o atual diretor de sustentabilidade do Rabobank no Brasil, Taciano Custódio, destaca que essa pecuária de baixa tecnologia e baixa produtividade não é capaz de atender aos padrões internacionais exigidos hoje pelas