dezembro 5, 2024

A revolução da 3a.safra: como a agricultura brasileira atingiu níveis recordes de produção

Por José Maria Tomazela – Estadão

O agricultor Emílio Kenji Okamura, que cultiva cerca de 1,8 mil hectares em Capão Bonito, no sudoeste paulista, demonstra que colher três safras agrícolas em um curto período de tempo não é mais uma novidade. Ele adota um sistema eficiente em que planta feijão entre agosto e setembro, colhe em dezembro, inicia o plantio da soja na mesma área, para colher em abril, e, posteriormente, abre espaço para o trigo, que estará pronto em setembro.

Okamura ressalta que as condições favoráveis do solo e clima na região, com um regime de chuvas regular, permitem essa sucessão de safras. Ele não está sozinho nessa prática, pois muitos agricultores brasileiros têm adotado métodos semelhantes.

Os avanços tecnológicos, como o plantio direto, a irrigação e o melhoramento genético das plantas, possibilitam aos agricultores brasileiros colher até três safras agrícolas por ano na mesma área. Em algumas regiões, é viável obter três safras completas de grãos, como soja, milho e trigo, sem a necessidade de revolver, gradear ou adubar previamente o solo. O adubo é aplicado juntamente com as sementes, que são plantadas quase imediatamente após a colheita da cultura anterior. É cada vez mais comum ver tratores com plantadeiras trabalhando simultaneamente à máquina colhedora nos campos brasileiros.

Segundo Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, um conjunto de técnicas e práticas agrícolas, aliado à pesquisa, tem permitido o avanço da terceira safra em todo o país. Ele destaca que 70% dos aproximadamente 77 milhões de hectares cultivados no Brasil já adotam o plantio direto, o que possibilita a colheita sucessiva sobre a mesma área. Nepomuceno ressalta que a expansão da soja no país tem contribuído para esse progresso, pois além de ser altamente produtiva, essa cultura possui características que preservam e enriquecem o solo, evitando sua exaustão.

A capacidade de produzir safras consecutivas na mesma área é um fator crucial para aumentar a produção agrícola do Brasil sem a necessidade de expandir para novas áreas de cultivo. Essa abordagem se baseia no plantio direto, uma prática conservacionista iniciada pelos agricultores brasileiros na década de 1970. Essa técnica consiste em manter o solo sempre coberto por plantas ou resíduos vegetais, geralmente a palhada da cultura anterior, permitindo a semeadura e adubação sem a necessidade de revolver o solo.

A expansão da soja, que tem variedades precoces, com ciclo de 100 a 120 dias, ajudou a estreitar o calendário dos cultivos, possibilitando mais safras em menor tempo. Principal grão cultivado no País, a soja entra em praticamente todos os esquemas de uso intensivo do solo, fazendo a rotação com milho safrinha, feijão, sorgo e cobertura verde. “Outros países produtores de grãos, como Argentina, Estados Unidos e toda a Europa, não conseguem isso porque têm invernos rigorosos”, disse o pesquisador da Embrapa.

Em Capão Bonito (SP), produtores conseguem obter produção acima dos níveis nacionais, fazendo cinco safras em dois anos
Em Capão Bonito (SP), produtores conseguem obter produção acima dos níveis nacionais, fazendo cinco safras em dois anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Rodízio de grãos

Nas áreas cultivadas pela Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, no sudoeste paulista, os 102 agricultores associados seguem um esquema de cinco safras em dois anos – um ano de três safras, outro de duas – e obtêm alta produtividade. A soja, plantada em 24 mil hectares, entra em todos os ciclos, em rotação com milho, milho safrinha, sorgo, trigo, feijão e cobertura verde. O solo fica o ano inteiro com alguma lavoura ou com plantas que aumentam a umidade, fazem a reciclagem de nutrientes e combatem doenças da terra.

Um dos cooperados, o produtor Walter Kashima, cultiva cerca de 2,5 mil hectares. Ele colhia em meados de fevereiro uma média 80 sacas (4.800 quilos) de soja por hectare. Na mesma área, ele estava semeando o milho que será colhido entre junho e julho deste ano. As três plantadeiras seguiam o rastro de palha triturada deixado pelas colheitadeiras e abriam sulcos para depositar a semente com adubo.

Para fazer o plantio direto, os produtores deixam a palha e resíduos da cultura colhida sobre o solo, que, dessa forma, fica protegido do sol e da erosão. Essa cobertura mantém a umidade do solo, favorece o desenvolvimento de microrganismos e protege a reserva dos adubos usados na lavoura. Também evita a compactação do solo. Plantadeiras próprias para esse cultivo abrem sulcos no solo e depositam as sementes, junto com o adubo. O próprio equipamento cobre os sulcos com terra, favorecendo a germinação.

O produtor Walter Kashima, de Capão Bonito (SP): soja e milho na mesma área, e ganho na produção
O produtor Walter Kashima, de Capão Bonito (SP): soja e milho na mesma área, e ganho na produção  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Segundo Nepomuceno, da Embrapa, o País consegue alta produtividade mesmo com baixo uso de irrigação. “A maioria da área de grãos brasileira depende de chuva. Na soja, por exemplo, só 4% da área é irrigada. Irrigar 46 milhões de hectares é quase impossível. Além do custo, vamos ter o problema da água, bem escasso. Então, investimos no bom manejo, na rotação de culturas, e aí entra de novo a pesquisa, que nos permitiu desenvolver variedades de soja, por exemplo, com um sistema radicular mais profundo e que resiste mais à seca.”

No Oeste do Paraná, agricultores também já fazem três safras seguidas em um ano, sempre incluindo a soja. O Estado é o segundo maior produtor do País, e colhe 20,7 milhões de toneladas nesta safra. O produtor Amauri Grisotti, de 52 anos, que cultiva 640 hectares no município de Toledo, escolheu um cultivar de soja precoce com ciclo de 120 dias para fazer a rotação com híbrido de milho superprecoce, de 140 dias. “Estou fazendo soja na safra, milho na safrinha e trigo no inverno. Nesse sistema, a produtividade total melhorou 20% porque a reserva de fertilizantes no solo é transferida de uma lavoura para outra”.

Produção dobrada

Como o País tem biomas com muita diversidade, as regiões agrícolas adaptam o manejo das lavouras usando as tecnologias disponíveis em cada área. A terceira safra no Mato Grosso costuma envolver soja, milho safrinha e cobertura verde; já no Paraná e interior de São Paulo, entram soja, milho e trigo ou sorgo; no Mato Grosso do Sul, soja, milho e pasto (braquiária); e no Rio Grande do Sul, Estado com temperaturas mais baixas, trigo, soja e olerícolas.

“Temos agora o sistema de plantar soja no meio do milho, que ainda está no início, mas tem tudo para se expandir”, disse Nepomuceno.

O uso de sistemas de produção intercalados pode levar o Brasil a dobrar a atual produção de grãos na próxima década, segundo o pesquisador. “Temos uma área de 120 milhões de hectares de pastagens, e metade disso é de pastagem degradada. Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostram que vamos aumentar, só de soja, de 10 milhões a 15 milhões de hectares, e a soja é uma grande recuperadora de solos, por isso recupera também as pastagens.”

Fonte: Estadão

Curadoria: Equipe Portal Boi a Pasto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp