julho 27, 2024

Os estrangeiros e a crescente compra de terras no Brasil

Nos últimos meses começaram a aparecer no noticiário casos sobre supostas ilegalidades na compra de grandes extensões terras brasileiras por grupos estrangeiros, especialmente por parte de chineses, indonésios, espanhóis e portugueses, entre outros.  A questão é seríssima e tem merecido a atenção do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Afinal, a posse da terra é estratégica para a produção de alimentos e, claro, para a sobrevivência dos povos.

Mas, para além das particularidades de cada conflito levados à Justiça, cabe a pergunta: “estrangeiro pode adquirir imóveis rurais no Brasil?”

Sim, estrangeiros podem comprar propriedades rurais no país. Não existe proibição legal para a aquisição de fazendas por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras ou ainda pessoas jurídicas constituídas no Brasil, mas que tenham capital estrangeiro. Mas, existem certos requisitos estabelecidos em lei que devem ser observados, sob pena de nulidade do contrato de aquisição.

Assim como a compra de imóveis em geral depende da escritura pública para ter validade (exceto as de valor inferior a 30 salários-mínimos), e a compra de veículos depende da assinatura do documento de transferência em cartório, a compra de imóveis por estrangeiro depende também da observância das formalidades estabelecidas em lei para ter validade.

Embora alguns setores da sociedade tenham interesse na alegação de que os requisitos estabelecidos na lei são inconstitucionais, a possibilidade de regulamentação do investimento estrangeiro se encontra expressamente prevista na Constituição Brasileira, que assim determina: “art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”.

Embora o capital estrangeiro seja muito bem-vindo para a economia brasileira, a necessidade de regulamentação de determinados setores se faz necessária tendo em vista relevantes interesses nacionais. Exemplo típico é a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão, reservada a brasileiros e ou pessoas jurídicas brasileiras. Nesse último caso, exige-se que pelo menos 75% do capital social votante pertença a brasileiros (prevista no artigo 222 da Constituição), de modo a vedar também a aquisição da propriedade indireta pelos estrangeiros.

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No caso específico de imóveis rurais, o interesse nacional se verifica na necessidade de impedir a concentração de terras em controle estrangeiro, bem como a estrangeirização da produção de alimentos, dada a perspectiva de escassez mundial de alimentos, num futuro não muito distante.

A Constituição Federal deixou o legislador com maior flexibilidade para amoldar as regras limitadoras do investimento estrangeiro em imóveis rurais e na atividade agrária, conforme se verifica da redação de seu artigo 190: “art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.”

Inicialmente, importante apontar que a aquisição de imóvel rural na faixa de fronteira por estrangeiros (ainda que de forma indireta), por motivos de segurança, depende de autorização do Conselho de Defesa Nacional (CDN) pela Lei 6.634, de 2 de maio de 1979.

Por sua vez, as Leis que regulam os demais casos de aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros são: a Lei n.º 5.709, de 07 de outubro de 1971, e seu regulamento, Decreto n.º 74.965, de 26 de novembro de 1974, bem como a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. E o que dizem tais leis?

Que para a aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros e sociedades estrangeiras ou sociedades brasileiras que tenham a maioria de capital estrangeiro (para evitar a aquisição ou exploração indireta, como também previsto no caso das empresas jornalísticas), é necessária a autorização governamental prévia, exceto para as aquisições de áreas pequenas por pessoas físicas, iniciando-se pelo pedido de autorização direcionado ao INCRA.

Isso significa que a autorização governamental prévia também é necessária para a compra indireta ou arrendamento indireto, isto é, quando o estrangeiro adquire o controle de empresas que são proprietárias e/ou arrendatárias de imóveis rurais, ainda que tais operações sejam concluídas sem a necessidade de escritura pública, através de operações societárias.

Em 13 de dezembro de 2017, o Incra publicou a Instrução Normativa nº 88, que dispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País e pessoas jurídicas, estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e brasileira equiparada a estrangeira. Em 28 de dezembro de 2018 foi aprovada uma alteração no art. 28 da referida instrução.

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A necessidade ou não de autorização depende da área do imóvel, definida em Módulos de Exploração Indefinida (MEI). O Módulo de Exploração Indefinida (MEI) é uma unidade de medida, expressa em hectares, definida pelo INCRA e que varia entre 5 e 100 hectares, dependendo da localização do imóvel.

De forma sucinta, podemos afirmar que o pedido de autorização direcionado ao INCRA somente é dispensável para a aquisição de imóveis rurais com até três Módulos de Exploração Indefinida (MEI) por pessoa natural estrangeira, desde que seja a primeira aquisição ou arrendamento.

Para os imóveis rurais com área superior a 20 MEI, nos casos de aquisição ou arrendamento por pessoas naturais estrangeiras, é necessária a apresentação de projeto de exploração do imóvel. As pessoas jurídicas, estrangeiras ou brasileiras equiparadas, em qualquer que seja a dimensão do imóvel rural devem obrigatoriamente apresentar projeto de exploração da área.

Para os imóveis com mais de 50 módulos para pessoa física ou 100 módulos para pessoa jurídica dependem também de aprovação do Congresso Nacional.

Além disso, o INCRA não poderá autorizar, sem a aprovação pelo Presidente da República (através de Decreto), a compra ou arrendamento de áreas superiores a 10% de um mesmo Município por estrangeiros de uma única nacionalidade ou 25% de um mesmo Município por estrangeiros ou sociedades brasileiras controladas por estrangeiros.

Como se vê, não existe vedação à aquisição direta ou indireta de imóveis rurais por estrangeiros ou sociedades brasileiras controladas por estrangeiros, mas apenas o controle prévio, pelo INCRA, de tais aquisições e arrendamentos (ainda que indiretamente, por meio de operações societárias), visando obedecer aos limites estabelecidos na legislação vigente, considerados seguros à soberania nacional, sob pena de nulidade dos contratos celebrados.

*Tatiana Bonatti Peres, pós-doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Doutora em Direito Civil pela PUC-SP. Mestra em Direito Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP

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