julho 27, 2024

Comportamento do bovino e sua relação com o manejo

Os hábitos dos animais e a capacidade deles se adaptarem às diferentes condições que lhes são impostas, podem influenciar no desempenho. Aprofundar o conhecimento sobre o comportamento dos animais e dele tirar proveito prático, portanto, ajuda na boa produção animal.

Sérgio Raposo*

É a etologia, a ciência que estuda o comportamento dos animais, que tem nos dado várias informações que ajudam a melhorar nossas práticas com os animais, sempre que possível impelindo o manejo na direção de estar mais sintonizado com as preferências dos bovinos e em maior harmonia com seus instintos.

Um traço de comportamento facilmente identificável nos bovinos é o fato deles serem animais gregários, isto é, de viverem em grupos. Outro aspecto importante, ligado a esse fato, é que, dentro do grupo, forma-se uma hierarquia social, na qual animais dominantes têm prioridade sobre os animais submissos na competição pelos recursos de interesse comum, seja água, comida ou sombra. Saber isso é importante, pois ela nos faz entender o porquê da falta de espaço para acesso aos animais aos cochos levar a subalimentação dos animais submissos e/ou superalimentação de animais dominantes. Na prática, no caso de oferta de concentrados em confinamento e semiconfinamento, o submisso, que come menos, tem pior desempenho e o dominante, que come mais, fica mais sujeito a ter problemas metabólicos (acidose, timpanismo, intoxicação com ureia etc.).  

Esse instinto de formar hierarquia pode levar a formação de subgrupos dentro de um mesmo lote, caso o número de animais seja muito grande. De fato, a dificuldade dos animais em memorizar e reconhecer todos os demais animais do seu lote acaba aumentando a agressividade entre eles. Esse estresse pode prejudicar o desempenho, além de predispor à lesões por causa das brigas. Em função disso, não é interessante formar lotes com mais de 100 animais, aproximadamente.

Outro fator importante é que, cada vez que há saída ou entrada de novos animais no lote, inicia-se a disputa para se estabelecer uma nova hierarquia no grupo, ou seja, mais estresse e maior perigo de contusões. Este é um dos motivos de se fazer lotes homogêneos, pois os animais tem mais chance de saírem para abate ao mesmo tempo, reduzindo a ocorrência deste problema. Mesmo que a venda não seja feita do lote todo de uma vez só, reduz-se o número de vezes que o lote vai ser “descascado” (vendido parcialmente). Por isso, além de deixar a competição entre os animais mais equilibrada, é vantagem deixar os lotes de animais tão homogêneos e constantes em sua composição quanto possível para reduzir novas disputas pela liderança dos grupos.

Com relação aos hábitos de pastejo, os animais definem os locais onde desenvolvem suas atividades como áreas de descanso (malhadouro) e de alimentação, dependendo da disponibilidade de recursos (forragem, suplementos e água) e da pressão de ambiente.

Além desse comportamento quanto ao espaço, na questão do tempo o bovino divide seu dia em períodos de pastejo, ruminação e descanso  de maneira alternada ao longo do dia. Didaticamente, atribui-se que os animais passariam cerca de oito horas em cada uma dessas atividades.

Na verdade, vários fatores podem alterar esse padrão, claramente burocrático demais para representar um comportamento natural. Por exemplo, o tempo de pastejo é determinado pela qualidade da forragem e pela forma como esta se distribui no espaço (estrutura da pastagem). Quanto mais nutritiva (qualidade) e de mais fácil preensão (estrutura) estiver a forragem, menor será o tempo que o animal passará pastejando.

Há relatos de animais pastejarem até por 12 horas, mas o tempo de pastejo não costuma passar das 9 horas. Períodos de pastejo maiores do que nove horas são indicativos de baixa qualidade e/ou disponibilidade do pasto o que limita a ingestão de forragem.

Quanto ao tempo da ruminação, apesar de ser mais constante, também varia conforme o teor e qualidade da fibra do alimento. Quanto maior o teor de fibra e pior sua qualidade, maior o tempo de ruminação. A observação de baixo tempo de ruminação nos animais pode ser um indicativo de falta de fibra efetiva na dieta o que, obviamente, ocorrerá apenas em confinamento. Animais em dietas com elevada inclusão de bagaço tratado à pressão e vapor (bagaço hidrolisado), que tem baixíssima fibra efetiva, por exemplo, praticamente não ruminam.

O clima altera, também, padrões de ingestão de alimentos. Nos períodos quentes, o consumo ocorre com maior intensidade nos horários mais frescos, ou seja, próximos ao amanhecer e ao pôr-do-sol, havendo  também aumento do consumo noturno (particularmente se há resfriamento noturno). Essa informação pode ser benéfica na troca de piquetes no pastejo rotacionado: o horário da troca dos animais, preferencialmente, deve ocorrer em horários anteriores aos períodos de consumo, ainda que esse efeito não deva ser muito grande. Também se deve levar em conta o hábito do animal, que é o de fazer o reconhecimento da nova área antes de iniciar o pastejo.

Em pastagem, quando são fornecidos concentrados não auto-limitantes (com alta inclusão de cloreto de sódio), deve-se prover espaço de cocho para que todos comam ao mesmo tempo, caso contrário, além de termos o problema já comentado na hierarquia (super e subalimentação de dominantes e submissos, respectivamente), quando o líder do grupo se afastar do cocho os outros irão juntos.  Sem espaço suficiente, alguns animais poderão não ingerir todo o alimento que desejariam ou, na pior das hipóteses, não consumir nada. Isso é particularmente importante quando se idealiza um sistema de creep-feeding, pois, quando as matrizes forem embora, seguindo ao líder do grupo, os bezerros também irão. É por causa disso que a estrutura de creep-feeding deve ficar preferencialmente nos malhadouros, onde os animais permanecem por mais tempo.

É também do creep-feeding que vem outro excelente exemplo da vantagem em se utilizar aspectos comportamentais no manejo. Assim, para fazer os bezerros iniciarem o consumo do concentrado é recomendável colocar um animal mais experiente junto a este grupo que nunca recebeu essa suplementação para “ensiná-los” a entrarem no cercado e se alimentarem nos cochos.  Isso é conhecido como facilitação social e funciona em muitas outras situações parecidas. Um exemplo é quando estamos usando um alimento com problema de palatabilidade. O primeiro grupo demora para se acostumar e começar a consumi-lo bem, mas o segundo grupo, por verem esses animais do primeiro grupo consumindo, não apresentam a mesma resistência a ingeri-lo (ou nem apresentam resistência).

Outro aspecto importante em relação aos cochos é que sua distribuição no pasto pode auxiliar no consumo, pois animais submissos diminuem o consumo quando sua distância de fuga é ameaçada. A distância de fuga é a aproximação máxima de outro ser vivo que é tolerada pelo animal, que, se ficar menor do que isso, faz com que o animal tenha alguma resposta (normalmente, apenas se afastar). Por isso, o aumento da disponibilidade de espaço (maior que a distância de fuga), tornam os animais menos estressados, facilitando o acesso ao cocho e podendo melhorar o consumo dos suplementos. Portanto, sendo possível dar o espaço de dois corpos entre cochos vizinhos, o animal submisso pode ocupar a ponta mais próxima do cocho vizinho, mesmo que ela esteja ocupada pelo animal mais dominante, sem que ele se preocupe com isso.

É comum a observação de animais ingerindo terra, e/ou outras coisas que não fazem parte da sua dieta usual. A esse comportamento dá-se o nome de apetite depravado. Geralmente isso é associado à deficiência mineral e é um dos fatores predisponentes para intoxicação por toxina botulínica, presente nos ossos que o animal acaba mastigando. Todavia, quando aparecem buracos no confinamento, algumas pessoas tendem a associar esse fato ao desejo por comer terra em função de deficiência mineral (o já referido apetite depravado). Na maioria das vezes, os animais estão bem mineralizados (evidenciado, por exemplo, por ganho de peso dentro do esperado).  O que ocorre, de fato, é que o tempo que o animal passa comendo é bem menor do que quando em pastejo, consequentemente sobra muito tempo para o ócio. Com a realização dos buracos, então, os animais apenas estão preenchendo seu tempo com alguma atividade.

Quanto à preferência para a ingestão de fibra ou concentrado, observa-se um efeito de raças. Raças zebuínas têm preferência pelo volumoso, enquanto que os taurinos pelo concentrado. Assim, em um confinamento ao oferecer para o rebanho zebuíno a ração (concentrado e volumoso), observa-se que estes selecionam o volumoso em detrimento do consumo de concentrado. Portanto, nesse caso é ainda mais importante que a mistura volumoso: concentrado resulte em uma dieta bem homogênea, para dificultar a seleção pelo animal, mantendo-se, assim, o balanceamento original da ração.

Nos últimos anos, tem ganhado importância o uso de informação sobre comportamento animal para melhorar o manejo e o conforto destes, havendo reconhecimento que essa preocupação faz diferença e que tem retorno. É estimulante perceber a satisfação das pessoas que vivem da lida e criação dos animais em incorporarem os conhecimentos da etologia, visto que ela transcende meramente o lado econômico e inclui também satisfação pessoal por uma relação mais positiva com os animais.

*Sérgio Raposo é pesquisador da Embrapa Gado de Corte, agrônomo com mestrado e doutorado pela ESALQ/USP, especialista em nutrição animal, atuação em pesquisa com os seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável. Mail: sergio.medeiros@embrapa.br

Fonte: Embrapa Gado de Corte

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