outubro 11, 2024

Solução para fertilizante sustentável e disponível no Brasil pode reduzir dependência do agro de importados

A tensão se avolumava desde novembro de 2021. Há quem diga que desde 2014 um possível conflito entre Rússia e Ucrânia era posto como algo que se aproximaria a uma terceira guerra mundial.

No dia 24 de fevereiro, contudo, enquanto muitos acreditavam que o diálogo entre as potências seria o suficiente para evitar o embate, a invasão aconteceu.

“A suspensão das entregas do fertilizante cloreto de potássio, originário da Rússia, comprometerá nossa produção e produtividade agrícola”, disse a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) após suspensão ordenada pelo Kremlin. Atualmente, o Brasil importa mais de 90% do potássio que consome, e cerca de 30% vêm da Rússia.

Além da plantação de commodities destinadas à exportação, os alimentos para consumo interno também serão afetados. A subida de preços, que já vinha ocorrendo ao longo da pandemia, deve se intensificar. Tudo ficará, mais uma vez, mais caro.

Porém, a solução para o agronegócio driblar a queda na importação de fertilizantes pode estar dentro do próprio Brasil. Nesta reportagem, Ecoa conta sobre uma solução mais barata, mais sustentável e nacional.

O pó que vem das rochas

“São materiais já disponíveis, são eficientes, não trazem problemas ambientais como contaminação do solo e da água e ainda podem sequestrar CO2 e armazená-lo”. É assim que Suzi Huff Theodoro, geóloga e professora da Universidade de Brasília, define o pó de rocha.

Como o próprio nome já diz, o pó de rocha é um composto de rochas moídas que, quando acrescentadas ao solo, funciona como fertilizante, ou seja, oferece nutrição às plantações. O comércio desses remineralizadores, como também são conhecidos, foi viabilizado pela lei nº 12.890, de 10 de dezembro de 2013.

“Como a rocha é um bem natural, ela precisa passar por um processo de extração, e não é qualquer rocha que pode ser utilizada. Ela precisa ser rica em uma série de nutrientes”, explica a geóloga. “Assim, os remineralizadores atendem do agronegócio à agricultura familiar porque os preços são mais acessíveis e porque é mais fácil de extrair”, completa.

A pesquisadora diz que pequenas e médias empresas de mineração que já exploram rochas que servem como remineralizadores de solo podem atuar no ramo, basta obter registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Isso impediria, por exemplo, o risco ambiental de novas extrações de rocha.

“A ideia de juntar o setor mineral ao setor agrícola é uma excelente saída. Enquanto que, para o setor mineral, esses materiais representam um problema ambiental em seu armazenamento, eles podem servir de insumos para a agricultura. O problema de um vira solução do outro.” Suzi Huff Theodoro, geóloga e professora da Universidade de Brasília.

Benefícios do pó de rocha
1. Preço
Os custos de aquisição são muito menores e seu efeito pode se estender por até quatro ou cinco anos consecutivos;

2. Fertilidade
Os níveis de fertilidade nos solos são crescentes após a aplicação

3. Rendimento
A produtividade mostra-se equivalente ou superior às obtidas pela fertilização convencional (em alguns casos, o rendimento pode ser até 30% superior);

4. Crescimento
As raízes das plantas são mais desenvolvidas do que nas plantas que recebem a adubação química;

5. Água
O teor de umidade é maior nas áreas onde se aplicam os remineralizadores, mostrando que os mesmos possuem grande capacidade de retenção de água;

6. Exuberância
As plantas apresentam maior quantidade de massa verde e são mais exuberantes;

7. Produção
Há aceleração do ciclo produtivo da planta em alguns casos;

8. Meio ambiente
Não ocorre contaminação ou eutrofização (poluição devido ao excesso de algas que deixa a água turva e provoca morte de animais) dos recursos hídricos;

9. Orgânico
Atende aos padrões de garantias exigidos de insumos utilizados pela agricultura orgânica.

Para que serve esse tal potássio?
O dado de que o Brasil é o quarto maior importador de NPK do mundo pode não significar muita coisa para boa parte dos brasileiros. Afinal, como isso afeta a vida de quem vê o pãozinho na padaria cada vez mais caro? Pois as duas coisas – a alta nos preços de produtos agrícolas e importação de NPK — tem tudo a ver.

A sigla que mais parece o nome de um braço da S.H.I.E.L.D., agência governamental fictícia do universo Marvel, faz referência ao trio de macronutrientes nitrogênio-fósforo-potássio. Esses compostos são bastante usados na agricultura para a nutrição do solo num processo chamado fertilização química. E é para essa mistura que o Brasil precisa de potássio.

A produção desse macronutriente no país se restringe a uma só mina localizada em Sergipe. Com a vida útil já chegando ao fim, a mina abastece apenas 4% da demanda nacional. Os outros 96% são importados.

“Para esse modelo de agricultura que temos no Brasil envolvendo a produção de commodities para exportação, o potássio é muito importante, já que esses produtos demandam uma ‘recarga’ do solo”, explica a geóloga Suzi Huff Theodoro. O país é campeão em produção e exportação de soja, por exemplo, uma commodity, ou seja, um produto básico não industrializado.

“Nos acostumamos a escutar que os solos tropicais, que representam grande parte do nosso país, são solos pobres. Mas que pobreza é essa? Se você considerar o plantio da soja, o solo é pobre, mas, por outro lado, a gente sustenta a floresta mais exuberante do planeta, o que mostra que o nosso solo também é rico”, comenta Theodoro.

Estamos todos conectados
Se tudo posto até agora já não fosse complexo o suficiente, as sanções econômicas impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia também atingiram o Brasil, mesmo o país estando fisicamente distante do conflito.

“A decisão das maiores empresas mundiais de logística marítima de suspenderem suas operações de transporte de mercadorias, de e para a Rússia, deverá ampliar as dificuldades que o comércio exterior brasileiro terá até que a guerra contra a Ucrânia seja superada”, explica a nota da Associação Brasileira do Agronegócio.

O grupo alerta: “isso trará sérias consequências à produção e custo dos alimentos, tanto para atender a demanda do mercado interno quanto às nossas notáveis exportações de commodities agrícolas”. Tudo isso fora o comando de suspensão de exportação de potássio.

Uma das justificativas dadas pelo governo para Jair Bolsonaro visitar a Rússia tão perto do conflito estourar foi uma negociação que garantiria a exportação de fertilizantes ao Brasil. Antes do presidente desembarcar em Moscou em 15 de fevereiro, o governo brasileiro anunciou a venda de uma fábrica de fertilizantes da Petrobrás à Rússia.

“A venda de 3 plantas de produção de fertilizantes da estatal desde o Governo [de Michel> Temer aumentou a necessidade de importação destes produtos, expondo o Brasil a situações de vulnerabilidade externa”, criticou, em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Calma lá com essa lei
“Em 2016, como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Nosso Projeto de Lei n° 191 de 2020, ‘permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, escreveu em suas redes sociais o presidente Jair Bolsonaro (PL).

É assim que a Apib entrou na história. A articulação tem condenado, desde que foi proposta, a mineração em terras indígenas. Segundo a Constituição de 1988, tais atividades são proibidas com o intuito de assegurar a sobrevivência física e cultural desses povos. No último dia 3 de fevereiro, contudo, o governo pediu ao Congresso que votasse com urgência o PL 191.

Para o porta-voz do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, a tentativa de apressar a votação do PL utilizando-se do contexto de guerra demonstra desprezo do governo para com os direitos dos povos indígenas e incompetência para lidar com esse desafio.

“O governo mente ao sugerir que a aprovação do PL 191 seria capaz de resolver uma eventual crise de fornecimento de fertilizantes, omitindo que soluções para esse tipo de problema requerem planejamento de médio e longo prazos”, diz Aguiar.

A geóloga Suzi Huff Theodoro explica que, ainda que a aprovação do PL ocorra em tempo recorde, “de forma alguma esse potássio estaria disponível para uso em menos de três a cinco anos”. Entre os principais desafios estão a tecnologia para extração subterrânea de potássio e os custos envolvidos.

Mineração para quê?
Aumento do garimpo ilegal, contaminação de rios e solos, adensamento humano, proliferação de doenças, desmatamento, invasão de terras e conflitos são alguns dos problemas que já acontecem em terras indígenas, frutos da mineração no entorno dessas áreas. Para a Apib, a aprovação do PL 191 só expandiria esse cenário.

“O que é problemático no discurso de Bolsonaro é rifar os direitos territoriais dos Povos Indígenas do Brasil como forma de solucionar uma crise de preços causada por uma guerra na Europa”, diz a nota da Apib. Leia o pronunciamento completo aqui.

“As terras indígenas da Amazônia são as áreas com maior índice de conservação florestal. E o valor da floresta em pé é muito alto. Os regimes de chuva que alimentam o agronegócio são provenientes, em grande parte, dessa floresta”, diz Juliana de Paula Batista, advogada, assessora jurídica do Instituto Socioambiental

As secas e ondas de calor no Centro-Oeste fizeram com que houvesse uma perda de R$ 43 bilhões no setor agrícola brasileiro em 2022. Segundo a Associação Brasileira do Agronegócio, a agricultura só terá dificuldades aumentadas pela falta de potássio, pois o setor já vinha sofrendo com a estiagem e aumento da taxa do dólar. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o desmatamento na Amazônia brasileira aumentou quase 22%, marcando um recorde nos últimos 15 anos.

Fonte: UOL

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